Beleza Americana (1999)

Estréia da Seção En Privé com Cristiano Contreiras

“Remember those posters that said, “Today is the first day of the rest of your life”? Well, that’s true of every day but one – the day you die.”

Beleza Americana é um delicioso soco violento no sonho americano, na utopia ridícula manifestada pelo ser humano, nos sonhos mais íntimos de todo ser. O filme, criativamente dirigido por um inspirado Sam Mendes, revela-se como um estudo sobre a necessidade x ausência sexual, infelicidade, compulsão pela mentira e ilusão social. Através da construção de um cotidiano de uma família e sua adjacente vizinhança que o próprio roteiro, altamente irônico e ardiloso, desconstrói seus mundos particulares: há estereótipos visíveis, consistentes – um cinqüentão a beira dos nervos, sem perspectiva e satisfação sexual ao lado da mulher excêntrica e fútil, a filha rebelde sem causa e introspectiva e sua amiga sensual, sinônimo de beleza incontestável. Em outra perspectiva familiar: há o pai machista autoritário que impera sua educação rústica para um filho deslocado em seu próprio mundo, filho de uma mãe passiva. O mais interessante é que todos os personagens são frágeis, aparentam uma essência que não é verdadeira e tudo tende a ser a revelação do caos, ao fim, quando vem à tona: traições, voyeurismo sexual, virgindade segredada, homossexualismo enrustido em fortes ejaculações surpreendentes. Todos os aspectos mais mórbidos da realidade ao estilo de vida americano. Os personagens funcionam como objetivo de criticar essa sociedade americana contraditória, daí a necessidade de serem carregados emocionalmente com muitas facetas da neurose ianque.

Há certa perversão no tom ácido do roteiro de Alan Ball, sensacional sátira dos costumes de relações conturbadas humanas: entre quatro paredes, as aparências tendem ao vício da loucura? Como se sustenta a hipocrisia do ser humano perante ele mesmo? A articulação preciosa do brilhante roteiro evoca discussões sobre essas falsas aparências, dissimulações humanas e desejos reprimidos com muita pseudo-inocência. O ser humano trancafia dentro de si mazelas inconfessáveis, desejos ardentes maldosos e muita malícia mascarada – a falsidade pode ser sinônimo de inteligência? Ou seria uma tristeza da amargura de viver imerso numa insatisfação de vida? A sacada genial de colocar, como narrador, o próprio morto que, de maneira cínica e com leve humor, contextualiza o enfoque de sua vida – recortando seu cotidiano, desmascarando uns aos outros. Os personagens demonstram certo desequilíbrio emocional e sexual, sentem necessidade de auto-afirmação por serem tão fragilizados.

Kevin Spacey tem uma atuação soberba, auxiliado por Annette Bening, Chris Cooper e os juvenis Thora Birch, Wes Bentley e Mena Suvari. É de uma admiração chapante ver como várias tramas paralelas vão se ligando e mexendo com valores que muitos julgam intocáveis. Pura aparência. Símbolos americanos são despidos e toda a hipocrisia salta na tela levando o público ao sorriso. A personagem de Mena Suvari, idealizada pelo narrador Kevin Spacey, repleta de pétalas, exala toda a sexualidade no decorrer do filme: ela faz questão de narrar tórridas experiências sexuais para, no epílogo, descontruir-se na garota virgem altamente inexperiente, com medo de ser comum. O sexo, conceitualmente, é um dos motores do filme – mas ele está dentro de um contexto que o público sequer se importa com o seu teor. A influência sexual na vida das pessoas é mostrada de três ângulos diferentes: homossexualismo sugerido, as descobertas da adolescência e as crises e traições extra-conjugais. A montagem do filme é dinâmica e determina um auxílio moderno à mise-en-scène – esta, irrevogavelmente, irretocável. A fotografia é apurada, ângulos inusitados e com um elegante aspecto dimensional.

Quem não se recorda da loirinha fatal, imersa numa banheira cheia de rosas vermelhas? Seria a representação da sexualidade perfeita ou da própria vida condicionada num simulacro? As cores vermelhas, presente na composição da direção de arte, é delícia visual e expõe o teor sentimentalista sensual que o filme revela. O encontro dramático interage com o alívio cômico, tudo bem balanceado. E a trilha sonora expressiva de Thomas Newman instiga, dá sustância às cenas. Em uma das melhores frases do filme é revelada qual o alvo de sua crítica: “Para termos sucesso é preciso projetar uma imagem de sucesso”. Sam Mendes concretiza seu mundo de falsidade e favorece um resgate a uma identidade da humanidade deteriorada por uma vida de plástico. Puro primor. Pois é, as máscaras sempre caem.

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–> Publicado também no Apimentário.

6 pensamentos sobre “Beleza Americana (1999)

  1. Um filme genial, que já pode sim ser chamado de clássico, apesar de relativamente recente. Vi no cinema, depois gravei em VHS e comprei o DVD. Mas, sempre assisto quando reprisa na TV. Sabem como é, né? Pra não gastar minhas cópias aqui…Isso é ou não é uma prova de que sou fã desse filme?
    Abraços!

  2. Foi um dos primeiros filmes que me fizeram ter essa paixão toda que tenho pelo cinema.

    Além da loirinha fatal (nas aparências) a outra cena que me lembro é do carinha mostrando o video que ele fez de um saco plástico rodopiando com o vento na rua.

    Um clássico :D

  3. Posso até ter preferido O Sexto Sentido (entre os indicados) ou Magnólia (entre os não indicados), mas concordo que Beleza Americana é um grande filme sim, onde roteiro, atuações, direção, fotografia e trilha sonora funcionam numa perfeição não tão rara, mas absurdamente marcante! E tenho de dizer pro Cristiano que Benning não só auxilia Spacey, ela tem a melhor performance do filme! =)

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